quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Escritura

Deixo sorrisos, piadas e brincadeiras
Aos meus amigos sempre sorridentes
Piadistas e brincalhões;
Deixo-lhes também um abraço apertado
E a certeza de um reencontro.

Às tantas mulheres que fizeram
Desta carne e destes ossos
Uma matéria com um pouco mais de alma
Deixo um abraço e um beijo carinhoso
E um "muito obrigado"
Por terem passado por mim.

Deixo, sobretudo, à minha mãe
Este mesmo abraço carinhoso
E um "muito obrigado" ainda maior
Por ser a mulher que me amou
Em todos os momentos da minha vida.

Ao meu pai, meu bom e velho pai
O homem que eu nunca fui
Deixo meu orgulho, minhas notas musicais
Minha voz e os cabelos que ainda me restam
Para que ele sempre se veja jovem.

A quem interessar
Deixo meus jogos, minhas senhas
Meus adereços, minhas roupas
Meu patuá de bolso
Minhas contas de Ogun e de Oxalá
E uma gaveta de pequenos guardados.

Deixo, por fim, à Chuva
Meus poemas, minhas prosas
Minhas frases não ditas
Minha carne, meu osso, meu sexo
Minha Lua e meu Sol
Minha flor e meu espinho
Todos os sonhos rasgados no meio do caminho
E o resto de uma chama que jamais se apaga.

domingo, 27 de dezembro de 2009

Bailarina

Abre-se a cortina
E surge
Bailarina
Ocupa todo o palco
Arteira
Artista
Desenha no ar
Com as mãos
Com os quadris
Ondas
Tsunamis
Infinito
É a única
Mona
Lisa
Sorri
Fascina
Seu sorriso
Um enigma
Uma esfinge
Indescifrável
Felina
Seu corpo inteiro
Baila
Seu ventre
De mulher
Ensina
Seu poder
Às meninas
Lança os véus
Ilumina
Faz de mim
Sua ruína
Seu palco
E dança
Livre
Nesse infinito
Onde é
Para sempre
Bailarina.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

14 Bis: Toda vez que o adulto balança, ele vem



Bola de Meia, Bola de Gude - Milton Nascimento

Há um menino, há um moleque
Morando sempre no meu coração
Toda vez que o adulto balança
Ele vem pra me dar a mão

Há um passado no meu presente
Um sol bem quente lá no meu quintal
Toda vez que a bruxa me assombra
O menino me dá a mão

Ele fala de coisas bonitas
Que eu acredito que não deixarão de existir
Amizade, palavra, respeito
Caráter, bondade, alegria e amor

Pois não posso, não devo, não quero viver
Como toda essa gente insiste em viver
E não posso aceitar sossegado
Qualquer sacanagem, isso é coisa normal

Bola de meia, bola de gude
O solidário não quer solidão
Toda vez que a tristeza me alcança
O menino me dá a mão

domingo, 20 de dezembro de 2009

Poema Criancímino n.° 07

Eu nunca falei muito.

Tenho riquezas escondidas
Tenho tanto a revelar...

Não mostro.

Mesmo que eu mostrasse
Outros não veriam.

Meu trapézio
Meu circo de pulgas
Meu gramado
Minhas ladeiras de bicicleta
Minhas mãos sujas de graxa
Minha infância solitária
Perdulária
Inventária...

Quem poderá medir
A riqueza de uma criança?

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Poema Criancímino n.° 06

Soluço
Tomo susto
Tenho medo.

Espero
Suspiro
Estou com soluço.

Você veio
Soluçou meu problema
Solucei
Porque não sei assobiar

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Poema Criancímino n.° 05

Eu não desenhei coraçõezinhos na infância.
Resultado: hoje tenho exercícios de voltar a ser criança.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Poema Criancímino n.° 04

As coisas que eu tinha e perdi
Se adaptaram a um teto com correntes
E lá ficarão eternamente.

É um teto apenas
Correntes
Coisas dependuradas
Não tem chão...

Um teto sem chão
Um céu multicor
Crepuscular
Coisas dependuradas
Perdidas...

Se alguma coisa se soltar
Vai cair
Vai cair...
Até que encontre uma nova corrente
E lá se prenda e lá fique
Dependurada
Sozinha

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Poema Criancímino n.° 03

Pular, andar, saltar,
Girar, deitar, rolar.

Vou atrás de um tesouro perdido,
Enfrento o perigo,
Salvar meu amigo,
Correr contra o tempo,
Quem pula comigo,
Quem é meu amigo?

Ninguém quer brincar?
Tudo bem,
Brinco sozinho, mesmo.

Eu sei ser feliz.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Poema Criancímino n.° 02

Fui criança
Todos sabem
Fui gato esguio
Ladrão furtivo
Guarda zeloso
O mais rápido
Fiz tantos gols
Que cansei de comemorar
Fiz tantas defesas
Que fui chamado de salvador
Fui herói, corajoso
Fui tímido
Medroso, mesmo
Não gostava de sentir
No entanto, fui cantor
Me apaixonei
Fui poeta
Pierrot sem picadeiro
Fui ferido
Fiquei mórbido
Mórbido por muito tempo
Então, fui leve
Zeloso
Cuidadoso
Fui homem.

sábado, 12 de dezembro de 2009

Poema Criancímino n.° 01

E eu que pensava que faço poesia.

Um dia eu fiz
Quando descia as escadas do Flávio
E olhava o branco no piso de azulejos vermelhos
nos bancos de madeira
nos jardins com terra
nos jardins com grama

Eu olhava aquilo e tudo parecia sonho...

Será que era sonho mesmo?
Ou será que eu nunca acordei?

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Os Poemas Criancíminos

Olá, leitores. Primeiramente, quero agradecer os comentários que recebi (são poucos, mas já são gratificantes); é por saber que as pessoas gostam do que eu posto aqui que eu me sinto ainda mais motivado a manter este blog sempre ativo e com atualizações constantes. ^^

Mas então, eu decidi que gostaria de postar alguns poemas bem especiais para mim: são poemas que, no lugar de um título, eu pus um número de identificação, enquanto o título propriamente dito fica para a coletânea - ou seja, embora eles funcionem separadamente como poemas, eles só fazem sentido quando estão unidos nesse contexto. A essa coletânea eu dei o nome de "Poemas Criancíminos".

Muitos já devem ter percebido que esses poemas falam de uma época bem específica da minha vida... e sim, em parte isso é verdade. Eles falam da minha infância - mais precisamente, das impressões que eu guardei da minha infância (porque foram escritos em outra época, quando eu já era adulto).

Porém, embora alguns já possam ter entendido tudo, apenas pelo que eu disse acima, eu acho que a maioria ainda não entendeu bem; na verdade, esses poemas falam não de uma, mas de duas épocas da minha vida - uma é a que eu falo nos poemas (a infância), e a outra é a que eu escrevi os poemas. Esse período em que eu escrevi os Poemas Criancíminos foi uma época de muita felicidade, como poucas vezes eu vivenciei na minha vida; e talvez seja por isso eu me apegue tanto a tudo que me aconteceu naquele tempo (mais até do que a minha própria infância).

Os Poemas Criancíminos são pueris - leiam essa frase com todos os seus possíveis significados. Eles são pueris porque falam da infância, pela linguagem e pela forma pouco elaboradas, e também pelo conteúdo jocoso que aparece em alguns poemas. E é por isso que são chamados de Criancíminos (neologismo daqueles que as crianças inventam para nomear aquilo que querem dizer).

Aliás, antes que eu me esqueça: outro motivo da existência dos Poemas Criancíminos é o de que toda criança tem um quê de poeta, por essa habilidade de inventar palavras novas, quando as comuns não lhe servem. E é precisamente isso que os escritores fazem: procuram e encaixam palavras com a engenhosidade de uma criança, para dizer coisas que parecem ser quase indizíveis. Como já dizia José Saramago, numa entrevista gravada em vídeo: "o menino que fui é o homem que sou".

Espero que gostem; a partir de amanhã eu começarei a postar, um por um, os Poemas Criancíminos. Obrigado novamente a todos os leitores por me lerem e comentarem, e até o próximo post.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Sonho de Lua Cheia

Acordei. De repente. Às 4:30 hs da manhã. A Lua brilhava enorme no céu, com o seu brilho de Lua cheia. Os pássaros cantam, como se o dia já tivesse amanhecido... também eles acordaram mais cedo?

Os pensamentos fervem; por mais que o meu espírito esteja em paz, os meus sonhos ainda me atormentam. E qual não é a minha surpresa em perceber que eu ainda sonho com ela - e mais, que o sonho me impressiona o bastante para eu acordar no meio da madrugada.

Decidi que iria escrever esse sonho; mais tarde me seria útil. Relatei-o então, com detalhes, para depois descrevê-lo ao meu psicólogo. Quando eu me dei conta, já passava das 7. Quase não dormi, e tinha um dia cheio.

Esqueci do tal sonho, como era de se esperar. Eu sempre me esqueço, depois que o dia começa e as obrigações do dia-a-dia aparecem. Mas ficou uma vontade de pegar o telefone e ligar... afinal, não posso negar que ela me é muito querida. Farei isso no final do dia.

A Lua surgia de longe, no mar... estava cheia. Coisas sempre acontecem quando a Lua está cheia. Mas o que eu tinha que fazer mesmo?

O telefone toca:
- Alô?
- Oi; sou eu.
- A essa hora?
- *risos* E que outra hora eu te encontraria disponível pra falar ao telefone?
- Tá, tem razão... *risos* Então fala, tudo bem com você?
- Estou bem, sim; você pode se encontrar comigo?
- Posso sim.

No local combinado:
- Oi!
- Oi...
- Quer se sentar ali, na sorveteria?
- Não; na verdade, prefiro andar.
- Ok... já viu como está a Lua?
- Não, cadê? Ah sim... está bonita.
- É...
- Então, estamos indo pra onde?
- Ah! Eu queria que você me ajudasse com a mudança... estou morando em outra casa.
- Mas então você... eu não estou entendendo nada!
- Eu me separei, já faz quase 1 ano. Fiquei morando com umas amigas, mas agora consegui finalmente a minha própria casa.
- Por isso eu não tinha mais notícias suas... mas então, onde é a casa?
- Estamos indo pra lá agora. *risos*
- Hahahahaha, tá bom.

Chegamos... a porta estava aberta:
- O que houve?
- Ai meu deus, o que é isso? Clara! Clara, onde você está??

Ao subir as escadas, encontramos Clara sentada na cama, amarrada com os braços para trás do lençol, amordaçada.
- O que é isso!! Minha filha!!!!

Eu fui olhar a casa inteira, esperando encontrar o invasor - maldita impulsividade, maldita hora de bancar o herói! Se fosse um ladrão armado, eu poderia até não estar vivo pra contar a história...

Felizmente, eram apenas crianças:
- O que vocês estão fazendo aí?
- Eita, sujou...
- Erh, desculpa tio, a gente só tava brincando de pirata.
- Pois então a brincadeira aqui dentro acabou. Se quiserem, podem continuar lá fora.

Chegam mãe e filha:
- ... e me avise quando for fazer esse tipo de brincadeira! Que susto você me deu!!!
- Desculpa...
- Clara, a gente tá saindo. Vamos continuar a brincadeira lá fora.
- Eu posso ir também, mamãe? Eu tava brincando com eles e...
- Tá bom... pode ir brincar com seus novos amiguinhos. Mas tenham juízo!!!
- Tá, mamãe. Obrigada! *beija*

As crianças saem. Impressionante como as crianças conseguem não ter maldade nenhuma, e enxergam o mundo como se ele não oferecesse qualquer perigo... ou talvez sejamos nós, adultos, que somos preocupados em excesso. Eu fui olhar a janela; precisava tomar um pouco de ar. Ela chega:
- Ai... quase ela me mata do coração...
- A mim também! Aliás, há quanto tempo vocês moram aqui?
- Não tem uma semana.
- E ela já tem novos amigos! *risos*
- É! *risos* Minha filha é leve...
- É... tal mãe, tal filha.

E ali, naquela janela, ficamos apoiados, vendo a pequena Clara brincar com os novos amiguinhos dela... e olhando a Lua cheia. Então ela se recosta no meu peito, como um travesseiro, e me beija o pescoço, falando baixinho:
- Eu quero que você seja o meu homem...

Será um sonho? Não sei, não sei... Quando eu estou com ela, eu não sei mais o que é sonho e o que é realidade. Só sei que, quer eu goste, quer não, ela é a mulher que habita os meus sonhos.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Segredo da Lua e da Chuva

Que segredo é esse
Que o olho lunar, olho de sonhar
Despeja em cascata, em luz de luar
Sobre o espelho d’água infinito do mar?

Que segredo é esse
Que o céu carregado de puro prazer
Revela entre folhas, num dom de chover
Deixando na terra o sabor de viver?

É o mesmo segredo, onda de luz
Que o meu olhar sonhador conduz
Aos teus olhos molhados, infindos de sentir

É o mesmo segredo, orvalho de mel
Que brilha no arfante ventar do teu céu
Contando a nós dois uma história sem fim